terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Uma horta no centro da cidade - artigo do jornal i

A ideia surgiu em Agosto de 2008. Três estudantes, na casa dos 20 anos, com um objectivo concreto: criar uma horta comunitária


O espaço não chega a um hectare, no Monte Abraão, em Queluz, organizado em quadrados perfeitos. Banheiras a céu aberto e uma taça de campeonato são elementos suspeitosos, mas no Verão os espantalhos erguidos no centro de cada rectângulo denunciam talhões agrícolas. O sítio foi escolhido a dedo, ao lado de um bairro social que já desenvolvia actividade agrícola numa antiga lixeira, a metros das entradas de prédios.

"São pessoas que têm um sentido muito enraizado de propriedade do solo, que plantam para subsistir", explica ao i Ricardo Canelas, um dos fundadores. O terreno camarário estava ao abandono, era "um aterro com restos de obras de que já ninguém se recorda". E a ideia do grupo - hoje com um núcleo duro de quatro pessoas e 20 colaboradores - era fazer daquele um espaço de convívio, ultrapassando a mera condição de horta urbana. "É revitalização urbana, mas com um espectro de possibilidades mais alargado do que aquilo que se vê pela janela", conta Miguel Morais, um dos membros mais activos. "Os ganhos são subjectivos. Aqui produzimos para contrariar a ideia de subúrbio, mudar a relação que as pessoas têm com o espaço."

Aos domingos, o convívio está espelhado para quem passa: uma cadeira de barbeiro debaixo de uma árvore convida a sentar-se, agarrar num espelho e ver barba e cabelo aparados sem pagar; ao lado, mesas de churrasco onde cada um grelha carne à vez. "É um bairro social, na sua forma mais básica", explica Liliana Farelo, uma das mais recentes e empenhadas horticultoras. "Partilha-se tudo: tome umas alfaces, dê-me uns coentros."

Regresso às raízes Nos planos para os próximos tempos, realça-se um: o convite feito pelo Palácio Nacional de Queluz para que a mesma ideia seja implantada nos jardins do palácio. O grupo não tem ilusões. "O que queremos é ensaiar maneiras de tornar esta actividade sustentável e produtiva nas cidades", explica Canelas. "Ao produzir para comer, reduzimos a pegada ecológica dos alimentos; com as plantações damos espaço a ecossistemas para crescerem. É uma soberania alimentar, e a outros níveis, que as cidades não conhecem", adianta.

No início, a contrariar os prós, a falta de experiência era o contra partilhado por todos. A ajuda dos avós foi essencial, mas a internet - e o "Borda d'Água", nossa bíblia - foi a primeira grande patrocinadora do projecto. Hoje, são agricultores exímios, adeptos de uma actividade livre de químicos. "Misturar aguardente, água e alho é o melhor para acabar com pragas de piolhos", exemplifica Liliana.

Oferecem ervas e couves à equipa do i, mas não se perdem no discurso. "Na Holanda, os planos directores municipais já incluem espaços para agricultura urbana. E é irónico que a terra mais fértil de Portugal esteja concentrada no litoral, que está mais urbanizado", sublinha Canelas. "Tem de se pensar localmente, senão os projectos estão condenados ao fracasso", conclui Miguel. "Copenhaga, provavelmente, não vai servir de nada, porque estão a querer começar no fim do ciclo."

Na era do Farmville, o grupo levanta- -se cedo para cuidar da horta - mas de mãos na terra e longe do computador. Não procuram subsídios, antes um efeito bola-de-neve: que mais gente veja a horta e queira participar no projecto.

O primeiro ensinamento para os novatos? As banheiras estão ali para recolher água da chuva, utilizada na rega. A taça de campeonato é mero adereço, desenterrado pelo grupo e que ali ficou a abençoar o projecto.

no i online

1 comentário:

  1. Oh yeah, a agricultura urbana cresce por meios que não apenas a Terra. Cultivemo-nos todos!

    ResponderEliminar